Sunday, February 19, 2006


Esquina da razão

Encontro-me na esquina da razão
E digo-me adeus.
Empurro-me para a escuridão
De cada fundo do ser
Para me esquecer da emoção
E da vontade de viver
Na realidade
Da monstruosidade de continuar.

Digo-me de mim num fingir
Em que não existo para ninguém
E somente para alguém
Que vive sem existir.

Espero-me na rua do pensamento
Do recalcado sentimento,
Numa avenida qualquer do meu corpo

Onde solitariamente só passo eu.

Monday, February 13, 2006

Encontro marcado

Maria esperava ansiosamente pela sua chegada enquanto olhava a chuva lá fora. Tinha planeado tudo ao pormenor para nada correr mal, cada detalhe, cada pequeno gesto, cada sorriso de potencial alegria. Apenas queria ser feliz, apenas isso e mais nada. Estava cansada de tanto sonho vão, sem sentido nem direcção, e de tantas quedas pelo caminho.
Esperava sentada no restaurante marcado por ele, aquele alguém que ela idealizava, mesmo sem conhecer na verdade, pois de si pouco lhe falava. O lugar era apetecivelmente aconchegante, de ar familiar, de uma riqueza interior surpreendente, pronta a embalar em si corpos solitários embebidos no vazio. Maria vestia alegremente o vestido preto, que passara horas antes cuidadosamente a ferro, e que ele lhe oferecera, juntamente com um doce beijo na face, no último encontro.
O tempo escorria pelas paredes e ele ainda não tinha chegado... parecia estar atrasado. Talvez, pensou Maria, devido ao temporal que fazia lá fora. Porém lá dentro tudo era tão melhor, tudo tão único e ideal para a realização do sonho e do crescimento de novas asas, novos horizontes despromovidos de obstáculos, novos céus sem limites.

- Hoje vou voar bem alto e desta vez não será para cair – murmurou Maria sorrindo para dentro mordendo os lábios.

Os minutos passavam lentamente e nada acontecia, ele teimava em não chegar. Passaram agora já duas horas, que mais pareciam uma eternidade contida no tempo, e absolutamente nada, nem um sinal, nem uma chamada para o telemóvel. Maria percebeu aí, naquele local de fantasia, que afinal tinha caído e bem de alto, aprendeu que para a próxima teria que voar minuciosamente bem mas sozinha.
Levantou-se serenamente e saiu. Ainda hoje ela desconhece a verdadeira pessoa que a enganou, suspeitando que, simplesmente, talvez se tive-se enganado a si própria.