Saturday, December 31, 2005

Máscara de pessoa

Sou contemporâneo de Pessoa na sua plenitude mais subjectiva, uma vez que a minha existência ultrapassa o para lá do linear, onde o que se apresenta são simples interrogações à vida e o seu porquê. Penso nas coisas que são coisas como sendo coisas para além das coisas, como se sendo o que são não me basta-se e tenho a tendência de lhes atribuir simbolismo, conotação pessoal e singular. Uma música não é assim simplesmente uma música, uma junção de acordes, de notas conectadas a vozes e a instrumentos, é, para além disso, um momento, uma lembrança, um lugar, uma pessoa. E se pessoa na Grécia antiga queria dizer máscara, então sou mesmo contemporâneo de Pessoa, embora não saiba quantas faces tenho e quantos papeis desempenho. Sou eu e os meus múltiplos de eu. Sei apenas que me apresento no palco da confusão, mas no entanto, no palco do já claramente visto por muitos antes de mim. Vivo na vontade eterna de querer sentir tudo e de todas as maneiras imaginárias. Talvez assim preencha tanto vazio cá dentro, um vazio que vem do fundo, mas somente só amanhã terei tempo de o preencher cheio de tudo, um tudo que quando chegar a hora será tanto nada para mim. E é este cansaço sem fim que sinto, que não sei de onde vem que me impede de interpretar e valorizar devidamente as coisas, essas mesmas que para mim deixam de ser coisas simples para ser coisas sofridas, sem nada, coisas de mim sem valor para ninguém e somente minhas. Mas sim, como dizes tu grande poeta, apenas depois de amanhã... Sim, ou então depois de depois de amanhã. Aí encontrarei o tudo, o infinito e a resposta para aquilo que agora não sei. Mas porque já sei que não irei ficar satisfeito? Maldita sede de voar mais alto! Ah, sim, sou contemporâneo de Pessoa.

Para um poema - (excerto do poema "Adiamento" de Álvaro de Campos, interpretado pelos Coldfinger)

(...)

Depois de amanhã, sim, depois de amanhã
Levarei amanhã a pensar
Em depois de amanhã
E assim será possível,
Mas hoje não hoje nada, hoje não posso...

(...)

Thursday, December 22, 2005

Para lá do fumo

Fumo calmamente
Enquanto abraço o meu corpo na ausência do teu.
Já nada há.
Apenas eu e eu.
Já nada é meu,
E dói, dói, dói,
Tudo me foi.

Escrevo sem parar para te esquecer
Mas não,
Tudo insiste em doer.
Eu mais tu,
Tu mais eu
Desapareceu por entre este cigarro.
Já nada há,
Já nada em mim agarro.
Tudo está já para lá,
Para lá...
Onde desconheço o que há.

Saturday, December 10, 2005

Quando dói sem razão porque afinal não a sei, uma vez que nada me foi demonstrado, culpo-me a mim e à minha ingenuidade tão frágil por tal. Danço assim, solitariamente, num palco sem chão e voo, mesmo sem ter asas para voar, em direcção a um céu que não existe. Talvez por isso eu caia tantas vezes, por muito que me chamem à atenção e me digam “Tem cuidado!”. Porém, continuo por aí a cair e a levantar-me, ora com ajuda ora sem, convicto que a mim me pertenço, andando ao sabor da maré, não sabendo, no entanto, em que mar navego. Se sei viver ou não, não o sei dizer... Talvez sim, talvez não. Enquanto isso vou caindo e me levantando para aprender a saber ser.

A ti, senhor Palma, um muito obrigado pelas lições de vida.



Yogi Pijama – Jorge Palma

Buscando sem saber bem o quê
Perdido como quem não vê
Calado como quem não tem resposta para quem o chama
Desesperado, como quem por ter medo da desilusão não ama
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente
Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama

Quebrando os seus ossos na rua
Fugindo da verdade nua
Como se abrir as portas ao Mundo fosse uma coisa obscena
Desencontrado como quem por ter medo da foz o rio condena
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente
Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama

E já que nós nunca estamos sós
Vamos lá desatar os nós
E vamos lá chegar inteiros, onde quer que a vida nos leve
E enquanto é tempo
Deixa ver esse sorriso, que isso torna a pena mais leve
Yogi Pijama
Se deixas apagar a chama, estás virado para o desastre
Como uma vela sem mastro
Ou um barco sem leme
Condenado a andar à toa conforme o vento lhe dá
Ao sabor da corrente
Yogi Pijama
Olha que andar ao deus dará nunca foi coisa boa
Yogi Pijama

Monday, November 28, 2005


Sem porquê nem como

Porque se te amo sem explicação,
Sem saber porquê nem como,
É somente porque não calo o coração
Quando ele grita e salta desenfreadamente.

Assim te amo sem questões
E somente porque sim.
Sem ilusões, nem contradições,
Onde tudo e nada está em mim.

Sunday, November 13, 2005

O passado

O passado dói
Quando bom ele foi.
Agora o nada,
Agora o vazio.

Esquece o presente,
Mergulha nas memórias.
Elas te consolam,
Te embalam docemente.

Tuesday, November 01, 2005

A poesia arranha quando vai para além do concreto em nós, quando nos descobre naquilo que tanto escondemos de todos. Raspa e dói por vezes mais do que a própria força bruta, por isso mesmo se torna tão única, inesperada e bela. Descobre-me e corrompe-me para lá do imaginário, para lá, muito para lá de mim, para lá do tempo da própria vida. Ela ficará, eu não. Outros marcará com as suas palavras velhas, mas nunca gastas, escritas para a eternidade.

Nalgum lugar perdido - Mafalda Veiga

Olhar-te um pouco
Enquanto acaba a noite
Enquanto nenhum gesto te magoa
E o mundo fora aquilo que sonhares
Nesse lugar só teu

Olhar-te um pouco
Como se fosse sempre
Até ao fim do tempo, até amanhecer
E a luz deixar entrar o mundo inteiro
E o sonho se esconder

Nalgum lugar perdido
Vou procurar sempre por ti
Há sempre no escuro um brilho
Um luar
Nalgum lugar esquecido
Eu vou esperar sempre por ti

Enquanto dormes
Por um momento à noite
É um tempo ausente que te deixa demorar
Sem guerras nem batalhas para vencer
Nem dias para rasgar

Eu fico um pouco
Por dentro dos desejos
Por mil caminhos que são mastros e horizontes
Tão livres como estrelas sobre os mares
E atalhos pelos montes

Nalgum lugar perdido
Vou procurar sempre por ti
Há sempre no escuro um brilho
Um luar
Nalgum lugar esquecido
Eu vou esperar sempre por ti

Saturday, October 29, 2005


Sim, eu sei

Estou velho, pensei.
Já não sou quem me conheço,
A mim jamais me pertenço,
Mas a alguém que não sei.

Não sou o mesmo das fotografias,
O mesmo que navegava nos dias,
Em tudo mudei.
Em nada em mim me demorei e fiquei a saborear,
Nunca no relógio parei e pensei
Estou velho, sim, eu sei...
De mim para mim estou incompleto,
A meio da recta do fim,
Estou velho, sim, eu sei.



Saturday, October 15, 2005

Mais um

Após um dia, apenas mais um, sinto o cansaço já tão comum em mim. Descalço-me, sentindo o chão fresco, sentindo-me a mim no reflexo enevoado do espelho há muito rachado. “Que cara”, penso. Arrasto-me pelas divisões da casa como se não as conhecesse, mas olhando tudo com indiferença, nada me agrada, nada me cativa, tudo é tão, tão, tão... sim, igual a si mesmo. Nada apenas tenho e nada é tudo nestes dias transparentes e, que mesmo assim, é tão pesado de se carregar. “Estou cansado, sinto-me velho” digo não obtendo resposta nem de mim para mim. Hoje tudo estranho mas nada é tão novo como fora dantes, onde o infinito e o sonho são uma só realidade, uma só meta a atingir. “Para quê?”... penso-me racionalmente mais uma vez.
De tanto pensar já me perdi, já não sei onde estou nem quem sou. Sei apenas isso, agarrando-me a uma almofada qualquer como se ela fosse tua, pois das minhas odeio-as. Tento achar nela o teu perfume, o cheiro de outros tempos, contudo nada. No fim da tarde e sem ter fim, deito-me no chão, fecho os olhos e tento adormecer... Mas custa tanto, tanto. Sim, amanhã será melhor.

Saturday, October 01, 2005


Escrita de eco

Escrevo para mim,
Para auto-satisfação
Porque de mim só me falto eu.
Escrevo perto do meu fim,
Onde tudo é tudo e meu.

Sendo assim,
Não vou para longe de mim
Quando nada acontece na escrita
Porque sempre que escrevo,
Escrevo como quem grita

E o eco sempre fica.

Saturday, September 24, 2005

Multi-Eu
Num fim de tarde chuvoso, no café do jardim ao som de um jazz clássico, de perna cruzada, um homem de meia idade e de cachimbo na boca lia calmamente o seu jornal. Em cima da mesa de madeira adormecia a chávena de café e um cinzeiro repleto de pontas de cigarro, nervosamente fumados por o cliente anterior. As paredes do estabelecimento eram envidraçadas, provocando jogos com os corpos das pessoas, fazendo aquilo a que o homem chamava de duplicação e deformação do eu. Gostava de estar ali, pois era ali que se multiplicava e não sabia de si enquanto lia um simples jornal.

- Quantos sou eu e de quantas formas tenho eu? – pensava enquanto cuspia fumo.

Na verdade não sabia, pois a cada momento mudava, uma vez que toda e qualquer experiência vivida modificava o seu “eu” verdadeiro e autêntico. No entanto, muito estranhamente, gostava disso. Então ia sempre, depois do emprego, àquele discreto café de jardim, para constatar essa realidade através dos espelhos, para se realizar e observar as suas potenciais mudanças de cada dia.
Passado alguns minutos, apressadamente, o empregado aproximou-se para cobrar o café.

- Meu senhor, desculpe mas hoje vamos fechar mais cedo... Importa-se de pagar, por favor? – pediu delicadamente recolhendo a chávena de café.

O homem franziu a sobrancelha, riu-se ironicamente olhando para um espelho e respondeu:

- Peça ao meu eu do espelho do fundo para pagar. Hoje estou sem dinheiro.


Friday, September 16, 2005



Sentado aqui

Sentado aqui penso.
Penso no nada que sou
Por entre este infinito imenso.
Onde estive já não estou
E quem tive já não sei,
Embora um dia tudo saberei.
Não, não em breve,
Mas onde tudo será leve
Puro e branco como a neve,
Quando for eu o infinito em mim,
Quando morrer e nada tiver fim,
Pois obra feita deixarei,

Nem que seja na memória daqueles que marquei.

Wednesday, September 07, 2005


Sonho

- Já pensaste nas coisas fantásticas que vês lá de cima?
E não tens que necessariamente cair!
- Dá-me a mão então. Tenho medo.

- Se não correres o risco nunca afogarás esse sentimento. Por isso, prefiro esperar-te de braços abertos cá em baixo.

P.S : Texto meu e de Miguel Machado

Monday, August 29, 2005



Perfeito

Está feito.
Eu mereço-o
Tal como é, imperfeito.
Conheço-o.
Sim, conheço-o.
De mim o nada é eleito,
Contudo
E em tudo
O perfeito,
Mesmo sendo tão imperfeito.

Arranjo cada tijolo da casa cuidadosamente
Para ter em mim a perfeição,
A perfeição de mim e da minha mente,
Bem junto do imperfeito do coração.

Wednesday, August 24, 2005

Dia de trabalho

Maria acordou para mais um dia de trabalho ao som do despertador prateado. Na mesinha de cabeceira pousada, a revista de moda que lera antes de adormecer. Ao lado, na cama, jazia o espaço vazio que, ansiosamente, queria ela um dia preencher com o corpo de alguém. Os lençóis permaneciam amarrotados após mais uma noite de pesadelo, não havia tempo para sonhar, tinha que ir trabalhar. Levantou-se e deslizou para a casa de banho, pintada a cor de rosa claro, bem a seu gosto. Abriu as torneiras da banheira e olhou-se agradavelmente ao espelho enquanto se despia.
- Hoje sinto-me bonita. Hoje sinto-me eu - murmurou sorrindo para o seu reflexo, passando as mãos pelas suas próprias ancas.
Vagarosamente entrou na banheira e acendeu um cigarro. Não queria saber de horários nem obrigações a cumprir, pois hoje sentia-se bonita e era raro sentir-se assim, tinha que aproveitar. Brincou com a espuma rindo, fechou os olhos e sonhou como sonhara nos seus tempos de criança, lembrando-se do tempo em que a sua avó lhe dava banho com tanto carinho. Agora não tinha ninguém, só a ela. Mas hoje estava feliz, era o que importava. Não, não iria trabalhar.

Saturday, August 20, 2005


Para quem pensa que fado é tristeza...

Montras

Ando na berma
Tropeço na confusão
Desço a avenida
E toda a cidade estende-me a mão
Sigo na rua, a pé, e a gente passa
Apressada, falando, o rio defronte
Voam gaivotas no horizonte
Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…

São montras, ruas
E o trânsito
Não pára ao sinal
São mil pessoas
Atravessando na vida real
Os desenganos, emigrantes, ciganos
Um dia normal,
Como a brisa que sopra do rio
Ao fim da tarde
Em Lisboa afinal

Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…

Gente que passa
A quem se rouba o sossego
Gente que engrossa
As filas do desemprego,
São vendedores, polícias, bancas, jornais


Como os barcos que passam tão perto
Tão cheios
Partindo do cais

Só o teu amor é tão real
Só o teu amor…


Poeta: Pedro Campos
Cantor: Mariza

Wednesday, August 17, 2005


Nicotina e cafeína... melhor mistura para celebrar a solidão?

Quando tudo mudo

Sei de tudo,
Sim, de tudo,
Quando tudo mudo
Para ficar igual.
Se o tempo não avança
E tudo me descansa,
Sou sempre o mesmo,
Logo sei tudo de mim.

Sono eterno sem dormir
Com tudo ainda por vir.
Sim, sei de tudo,
Enquanto um simples cigarro fumo.

Contudo
Uno o presente ao futuro
Num só momento puro
E logo sei de tudo,
Mas nada mudo.

Nada.

Thursday, August 11, 2005



Amor de chocolate

Cenário perfeito para a busca do outro na sua verdadeira essência, na essência natural do amor. Bom local para despir as farsas e dar boas vindas à imaginação do corpo e da mente. Despedaçar nele todo o nosso desejo, desejo de realização e de procura de alguém, onde serás tu o meu chocolate e eu a tua boca preferida para te derreteres. Espero lá por ti.

Saturday, August 06, 2005



União – Tudo é o que é

Nada em mim tem explicação lógica, absolutamente nada. Tudo é o que é, apenas e somente tão simplesmente. Não estranho nada, porque nada me estranha, sou parte de tudo. Em mim deixo um pedaço de cada lugar e cada lugar rouba uma parte de mim, sou eu em cacos. Vivo em construção, numa construção pouco complexa, onde tudo é o que é. Sim, tudo é o que é. Eu sou eu na minha individualidade, no meu espaço infinito, onde sou eu o Deus de mim próprio, onde traço eu o limiar do meu impossível, só meu, meu, meu... Tudo é o que é e logo sou o que sou.
E também sem explicação, e apenas porque sim, amo-te a ti, minha música. Talvez tão vulgarmente como uma criança, mas amo-te. “One hand love the other so much on me”, quem sabe por seres igual a mim, talvez sim...talvez eu seja música, meio jazz, meio clássico, meio rock, e só assim desato as minhas mãos de mim próprio, numa união única contigo, onde desconheço o que vem depois. É tão bom não saber o que vem depois, tão bom...
Nunca pensei nisto, na união. Sempre me perturbou perder a minha individualidade, o meu sentido de existência. Ainda não o sei, mas é tão bom não saber, não saber de nada, o que vem, o que foi, tão bom. Tudo é o que é para sempre.

Unison - Björk

One hand loves the other
So much on me

Born stubborn me
Will always be
Before you count
One two three
I will have grown my own private branch
Of this tree

You gardener
You discipliner
Domestically
I can obey all of your rules
And still be, be

I never thought I would compromised
I never thought I would compromised
I never thought I would compromised

Let`s unite tonight
We shouldn`t fight
Embrace you tight
Let`s unite tonight

I thrive best hermit style
With a beard and a pipe
And a parrot on each side
But now I can´t do this without you

I never thought I would compromised
I never thought I would compromised
I never thought I would compromised

Let`s unite tonight
We shouldn`t fight
Embrace you tight
Let`s unite tonight

One hand loves the other
So much on me

Let`s unite tonight
We shouldn`t fight
Embrace you tight
Let`s unite tonight
Let`s
Ooohhhh ooohh

Unison
Unison
Unison

Tuesday, August 02, 2005


Fila de espera

Sou prostituto do intelecto,
Sou-o sem afecto,
Faço-o por obrigação.

Quem não pensa doi
E perde tudo que foi.
Faço-o para não me perder na escuridão,
Mas fazendo-o perco-me de mim.
Levo o pensamento em linha recta,
Na fila de espera da multidão
Enquanto me decido da posição mais correcta.

Sentindo-me perco-me deles,
Pensando perco-me de mim para eles.

Triste caminhada sem fim...

Monday, July 25, 2005



Há pessoas que não morrem...


Há pessoas que não morrem mesmo com a sua ausência, se ausência se pode chamar. Tive certeza disso no concerto de Maria Bethânia em honra a Vinicius de Moraes, amigo e parceiro de Tom Jobim. Ambos não morreram, ambos são cantados, ambos ainda vivem e viverão na memória de todos nós ao som de música, ambos marcaram presença para a eternidade. Magnifica noite, ao som de uma voz quente, poderosa como Deuses. Também tu nunca morrerás.


“Maria Bethânia canta como uma jovem árvore que queima
Numa crepitação de madeira que se extingue para o alto.
Tudo é combustão nessa extraordinária cantora cuja voz nos
Veio da Bahia, para transmitir uma mensagem de amor e
Poesia como raramente acontece.

Seu canto é livre e puro, mas não de uma pureza casta e
Desumana: é o encontro do céu com a terra, um casamento
Do mundo com o infinito. Nela o timbre crestado, com uma
Qualidade de juta, é um dos componentes mais humanos;
Mas seu canto se eleva mais alto, lírico, embriagado de
Espaço, cravejado de estrelas.

Maria Bethânia canta com a liberdade dos pássaros, para fora e para cima, mas sem perda dessa intimidade fundamental à comunicação.


A bênção Maria Bethânia!”


Vinicius de Moraes
3/12/65

Friday, July 22, 2005


“Dou-me com toda a gente, não me dou a ninguém”

Às vezes fecho-me em mim e de mim não saio. Fico sem nada para dar e sem vontade de receber, fico apenas em mim e de costas viradas para o mundo. Mesmo a querer não quero, mesmo a viver não vivo. Sinto-me por vezes assim, frágil de mim, não me apetecendo nada de mais mas querendo mudar tudo... E vou-me dando por aí sem me dar, bem fechado na minha concha, estranhamente feliz, falando com todos mas para ninguém. Às vezes estou assim, mas é tão bom sê-lo por vezes, egoistamente viver somente para mim.



Frágil – Jorge Palma

Põe-me o braço no ombro
Eu preciso de alguém
Dou-me com toda a gente
Não me dou a ninguém

Frágil
Sinto-me frágil

Faz-me um sinal qualquer
Se me vires falar demais
Eu às vezes embarco
Em conversas banais

Frágil
Sinto-me frágil
Frágil

Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Está a saber-me mal
Este Whisky de malte
Adorava estar "in"
Mas estou-me a sentir "out"

Frágil
Sinto-me frágil

Acompanha-me a casa
Já não aguento mais
Deposita na cama
Os meus restos mortais

Frágil
Sinto-me frágil
Frágil

Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Monday, July 18, 2005


Pensando sem pensar, vos deixo com Alberto Caeiro sem chaves para o seu pensamento pois jogou-as fora. Hoje, felizmente, também não sei das minhas.

Assim como falham as palavras...

Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada,
Assim tudo que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

Friday, July 15, 2005


Baloiço

Vai e vem
O menino sem saber.
Cresce sem notar,
Sem noção de mal ou bem
Num doce baloiçar.

Vai e vem o baloiço
A ranger suavemente,
Num ir e vir naturalmente.
Agora já não o oiço.

E cresce sem pensar,
Muda sem mudar,
O menino que fui eu,
Sem horários, nem relógios,
Vive simplesmente.

Cresce alegremente inocente,
Cresce em nós mas depois morre.
Já não existe no presente
Quando o olho para trás do cimo da torre.

Wednesday, July 13, 2005


All is full of love - Björk

You'll be given love
You'll be taken care of
You'll be given love
You have to trust it

Maybe not from the sources
You have poured yours
Maybe not from the directions
You are staring at

Twist your head around
It's all around you
All is full of love
All around you

All is full of love
You just aint receiving
All is full of love
Your phone is off the hook
All is full of love
Your doors are all shut
All is full of love!

** Icelandic part **

All is full of love, all is full of love
All is full of love, all is full of love ...



Porque me fazes eterna companhia, porque és única, porque me preenches as horas vazias, porque és parte de mim, obrigado por todos os sonhos.

Monday, July 11, 2005


Monólogo de desconhecidos


- Tudo bem?
- Tudo mais ou menos bem.
- Conheces alguém?
- Só a mim e a mais ninguém.
Vou andando, procurando, descobrindo, vendo sem nunca alcançar.
- Eu sou assim também...
- Procuras alguém?
- Só a mim e a mais ninguém.
Vou andando, procurando, descobrindo, vendo sem nunca alcançar.
- Eu sou assim também, sempre buscando alguém, um amigo, um abrigo, para conversar.
- Também quero falar, mas a quem?
- Só a mim e a mais ninguém.
- Ok, está bem, mas a minha voz não te alcança nos muros que teimas em levantar.
- Eu sou assim também, sempre tropeçando em alguém, no vazio, no nada, sem me achar.
.....

É nas reticências da vida que encontras o teu desconhecido
Poema: Miguel Machado e Ricardo Mendes
Foto: Mariana Malafaya

Aos dois um muito obrigado pela amizade

Saturday, July 09, 2005


Carta ao amigo Reis

Caríssimo amigo Reis,
Apesar de morto, sem nunca teres tido vida, mas de teres vivido e viver mais de que qualquer homem , estimo a tua pessoa, sem mesmo ser humano seres. Marcaste as minhas horas, cansaste os meus lábios de tanto te lerem, mesmo nada escrevendo as tuas mãos, também pela ausência do corpo, de forma, mas que, no entanto, tanto marcam presença. Vives no pensamento de alguém que habitas e que deu voz à tua voz muda, de som sem som, mas que muito entoa cá dentro de mim. Obrigado pelo sabor da tua escrita, das tuas palavras, mesmo elas não sendo tuas mas de outro que te inventa. Obrigado. Moras algures por aí, divagando, vendo sem ver, mas sentindo mais que ninguém quando a tua poesia acontece e marca. Dedico-te este mesmo poema, escrito por ti, lido por todos... Somos rosas, sim somos vãos...


As Rosas


As Rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Wednesday, July 06, 2005


Tempo

Não tenho tempo para parar e pensar
Que não tenho tempo para ter tempo,
Para dar voz à minha voz e calar todo o cimento,
Para o nada observar, sem racionalizar,
Sem ter tempo para olhar para dentro.

Tuesday, July 05, 2005

Bom dia

Acordei um dia e disse bom dia para mim, para todos, para o mundo. Se todos começassemos o dia com um sorriso todas as penas seriam mais leves. Mas hoje não sorrio, prefiro ficar a olhar, não se pode ser leve todos os dias... Às vezes faz bem sermos pesados e aterrarmos bem firme na terra... O próximo voo torna-se melhor assim. A todos um Bom dia!