Tuesday, December 22, 2015

Arrependimento

Se o arrependimento matasse
Estaria certamente morto.
Se esta dor calasse
Morreria em bom porto.

Caminhando por aí
Tudo tem o teu rosto,
Quantos apertos tenho
Neste amor em fogo posto!

Wednesday, September 30, 2015

No avesso

Hoje semeei-me
E nasci no poema
Para que o nada exista.

E de madrugada
Cada passo era teu,
Letra a letra,
Dor a dor.

Hoje semeei-me
E morri ontem
Para que, amanhã, se perpetue a vida
Em forma de verso convexo.

E bailavas no avesso de mim,
Escurecendo-me a palavra
Por longe sermos nós.
E pisavas o centro do fim,
Para que escuros sejamos sós.

Tuesday, August 04, 2015

Com pimenta, com mostarda
Cativei o teu coração impuro,
Corpo dado a outros corpos,
Esse pedaço pulsante de nada.

Nele te preenchi com sangue vivo,
Vinho azedo da minha boca,
Mantendo a esperança oca
De mim sem outro alguém em ti cativo.

Tuesday, May 26, 2015

Vivemos num poço sem fundo,
Numa pátria apátrida e sem lei,
Onde quem se come é moribundo
E somente pode comer o rei.

Camões falecido, rosto de nada,
Dás voltas no teu tumulo,
No país dos proxenetas capitais,
Onde mandam vender os já mudos.

Friday, June 13, 2014

Arrepia quando sem um tu
Não pode haver um eu,
O pronome pessoal passa então
A perder a sua individualidade
Como se a carne ganha-se espinhas,
Como se as putas ganhassem castidade,
Como se os pântanos ganhassem terras,
E a terra áspera no céu nascesse,
Como se no teu funeral fosse eu que morresse!

Assim como apenas existe
O olhar de cobiça junto do olhar terno,
Existe o meu demónio junto do teu anjo,
Uma barraca de lata junto a um castelo
E ainda existe, a ideia que persiste,
Uma força invencível na unidade como um sismo,
Galopando forte e vil na fronteira,
Sempre correndo no linear do abismo,
Onde caem pedaços de corpos mas de alma inteira!

Wednesday, May 21, 2014


Sede

A minha sede não é somente de não,
É de sensação exclusiva e ser profundo,
Erguer-me por dentro de um buraco sem fundo
E dizer-me gritando, mais, mais e mais.

Ser-me imaterial e viver,
Esculpindo caprichosamente todo o sentimento,
Decifrar o núcleo de cada sensação,
Embriagar-me porque sim ou porque não!

Lavra-me a multidão as terras,
Fazem-me a cama,
O ser e o não ser,
E quando dou por mim já outros me fizeram.

E fugindo nego-me
E canto sem paixão,
Mas no vosso leito,
Murcho e sem tesão,
Adormeço, sou da escuridão.

Quero ser eu,
Inventar-me e ser autêntico,
Aquele com mais aquele,
Meu e o teu sem ser teu,
Eu sem ser meu,
Mas quando abro os olhos,
Ganzado sem drogas,
O vento sopra e tudo já foi. 

Monday, February 10, 2014


No dia

No dia em que te matares,
Estica os teus lençóis,
Lava-te no teu perfume
E põe o teu melhor colar,
Ao som do rádio de estrume.

Coloca a roupa a secar ao sol,
Entre as moscas e a neblina matinal,
Nesse dia em que te matares.

Leva o miúdo ao infantário,
Esse, o que nos inicia no social,
Por entre buzinadelas de gente,
E sinais nunca dantes fechados,
Beija-o no stress das horas vagarosamente.

E no dia em que te matares,
Depois de te lavares,
Podes-te sempre lembrar
Que no outro dia jamais te vais levantar.