Friday, February 26, 2010

Nascimento

Nasceste de novo para mim,
Já de nada nos faziamos,
Já de fim me construía
Por entre chamas de pó.

E de repente,
Não mais que de repente,
Tornou-se o passado em presente
E de nada nos viviamos.

Nasceste do nada
Para nos matarmos novamente,
Para que a essência se evaporasse,
Já apagada de tinta entornada.

Foi-se ficando devagar,
Calando-se a sede,
Voando-se pelo mar
Porque és o sonho que dói
E o limite do imaginário em mim.


(Fotografia - Luís&João Centeno)

Sunday, February 14, 2010

Adeus Avô

Disse-me o velho que vivia só na morte, que se sepultava em cada lembrança e em cada momento. A sua fatal doença era a vida e todo o tempo roubado que nunca chegou a ter. Matava-se no fumo do caminho, vendo sempre o seu fim desde cedo. A palavra mais sentida era o adeus e, por isso, a mais pesada de se dizer em todas as bocas. Mordia os lábios para o silêncio agarrar. Era um grito calado pela dor das horas passadas, pelo frio esquecimento de viver e de se existir sobrevivendo. Enterrava-se em pensamento e em corpo porque leve era a solidão. Era uma questão de talento, de fuga ao quotidiano, ao gelado calor de um aperto de mão. Disse-me o velho enquanto nascia em cada ruga, em cada sua pequena morte.


(fotografia - Tadeu Vilani)