Saturday, September 24, 2005

Multi-Eu
Num fim de tarde chuvoso, no café do jardim ao som de um jazz clássico, de perna cruzada, um homem de meia idade e de cachimbo na boca lia calmamente o seu jornal. Em cima da mesa de madeira adormecia a chávena de café e um cinzeiro repleto de pontas de cigarro, nervosamente fumados por o cliente anterior. As paredes do estabelecimento eram envidraçadas, provocando jogos com os corpos das pessoas, fazendo aquilo a que o homem chamava de duplicação e deformação do eu. Gostava de estar ali, pois era ali que se multiplicava e não sabia de si enquanto lia um simples jornal.

- Quantos sou eu e de quantas formas tenho eu? – pensava enquanto cuspia fumo.

Na verdade não sabia, pois a cada momento mudava, uma vez que toda e qualquer experiência vivida modificava o seu “eu” verdadeiro e autêntico. No entanto, muito estranhamente, gostava disso. Então ia sempre, depois do emprego, àquele discreto café de jardim, para constatar essa realidade através dos espelhos, para se realizar e observar as suas potenciais mudanças de cada dia.
Passado alguns minutos, apressadamente, o empregado aproximou-se para cobrar o café.

- Meu senhor, desculpe mas hoje vamos fechar mais cedo... Importa-se de pagar, por favor? – pediu delicadamente recolhendo a chávena de café.

O homem franziu a sobrancelha, riu-se ironicamente olhando para um espelho e respondeu:

- Peça ao meu eu do espelho do fundo para pagar. Hoje estou sem dinheiro.


Friday, September 16, 2005



Sentado aqui

Sentado aqui penso.
Penso no nada que sou
Por entre este infinito imenso.
Onde estive já não estou
E quem tive já não sei,
Embora um dia tudo saberei.
Não, não em breve,
Mas onde tudo será leve
Puro e branco como a neve,
Quando for eu o infinito em mim,
Quando morrer e nada tiver fim,
Pois obra feita deixarei,

Nem que seja na memória daqueles que marquei.

Wednesday, September 07, 2005


Sonho

- Já pensaste nas coisas fantásticas que vês lá de cima?
E não tens que necessariamente cair!
- Dá-me a mão então. Tenho medo.

- Se não correres o risco nunca afogarás esse sentimento. Por isso, prefiro esperar-te de braços abertos cá em baixo.

P.S : Texto meu e de Miguel Machado