Saturday, December 23, 2006

Do nosso próprio frio

Meu amor,
Soubemo-nos ser,
Nascer, viver
Para depois afundar
Tudo no mar.
Fizemo-nos nus,
Transparentes,
Para depois morrermos
Do nosso próprio frio.

Não sabemos continuar,
Não sabemos deixar de deixar.
Nascemos,
Vivemos
E vamo-nos matando,
Matando
Bem devagar.

Tuesday, October 17, 2006

Para ti

Amor mais amado,
Porque congelaste o tempo,
Porque fizeste o espaço rodar,
Quero-te na imensidão do corpo,
O corpo já frio que treme pelo teu calor.

Meu amor que aleija
Sem beijar
E que morde com o toque
Que mata com vida.

Tuesday, August 29, 2006

Ir apenas

Ir para fora dentro de mim,
Estar longe aquando o perto,
Ser o centro da curva,
Acelerar na recta do fim.

Ser-se frágil aquando forte,
Ser-se forte aquando inútil,
Para sempre e para nada

Na madrugada da vida.

Saturday, August 05, 2006

Horas paradas

Sempre que o relógio me cativar me lembrarei de ti, meu amor, em todos os momentos em que contamos os minutos para a morte. Seremos sempre os amantes finitos pelo tempo com toda a dor pelas horas, sempre as horas. Sempre que o cronómetro parar antes da meta, irei correr ferozmente para ganhar e chegar em primeiro, pois sem tempo os corpos se conservam e a decomposição afectará apenas o interior de nós num destruir abstracto, de aparência apenas... Os ponteiros entre nós sempre se congelaram porque o tempo, o nosso tempo, era maior... Enganamo-nos tanto, mentimo-nos perante o mundo, perante as horas, perante o relógio que teima em não parar. Enganamos a morte, ou melhor fingimos que a enganamos, mas não, quem perdeu foi o corpo só que éramos.

Saturday, July 15, 2006

Sempre ausente

Sempre ausente de tempo
Sento-me a olhar para o nada.
Acendo um cigarro,
Abraço-me
E finjo que tudo corre bem.

O fumo diz-me de ti
E de nós no espaço,
Na distância do corpo.

...Agarro-me
E finjo que tudo corre bem.

Fotografia: by pukah


Monday, June 12, 2006

Curvas do querer

Deixar-me ir sem corpo de carne solta nos dentes, na pele. Deixar-me ir quebrando ossos com fome de cão. Ir apenas. Com fome. Querer mais sem saber o quê, se eu, se tu. Se nós. Esvoaçar-me de braços ao vento e pensar que mais me falta e mais morderei de unhas cerradas. Querer por mais. Mais. Mais eu. Quando e onde não sei, apenas que me levar a mim para longe. Para mim de volta. Sim, de volta para mim. Para longe. Para a eternidade. Canto-te vida na boca áspera de tanto gritar por ti, sem ter dedos que te agarre, te prenda ao colo, ao útero virgem do coração. Deixar-me ir. Deixar-me ir. Deixar-me ir para ti. Para mim. Simplesmente o querer, o querer o desejo de mais.

Sunday, June 04, 2006

Sempre

Entre um cigarro e outro
Penso.
Entre um copo e outro
Penso.
Entre o tudo e o nada
Penso.

Penso sempre
Mesmo sem o querer.
Estranha forma de viver
Vivendo aquilo que não se quer...

Thursday, May 18, 2006


Traficante de amor

Sabes que ainda vives em mim e que todas as palavras que te disse ao ouvido bem baixinho não se esgotaram. Sabes que ainda ardo ao pensar em ti assim como ardeu o meu corpo no teu em todas aquelas noites, tardes, manhãs. Sabes que sinto falta de todos aqueles pequenos silêncios vindos do nada e que tanto nos falavam e transcreviam para o espaço. Sabes que por mais que seja a distância a minha heroina ainda és tu e, feliz ou infelizmente, a ressaca torna-se cada vez maior. Preciso de ti, preciso de nova dose. Talvez te procure pelas ruas à espera que alguém me venda um pouco de ti.

Tuesday, April 18, 2006

Asas de Louco

Ser-se inteiramente louco é transportar em si a vontade da destruição de uma realidade que não a sua. É querer mais do que o eternamente possível e impossível, é ser-se mais e mais para além de si próprio, procurando pelo tempo um terreno inseguro mas seu. Caminhar pela loucura do para lá do real é caminhar rumo ao desconhecido buscando não uma morte finita, mas uma vida infinita que perdura além do apodrecer dos corpos... Ser-se simplesmente louco, ser-se simplesmente irreal dentro da própria realidade.

Friday, March 31, 2006


Aqui, longe de tudo

Longe de tudo,
De quase tudo, meu bem,
Disse-te tudo, porém.
Disse tudo não dizendo nada
Numa só palavra.
Disse-te mudo,
Quase surdo
Sem saber o que ouvir
Para não sofrer,

Aqui, longe de tudo.

Saturday, March 11, 2006

Terapia da alma

E a música entranhasse pelos meus poros assassinando todo o mau pensamento em mim... E a música possui o meu corpo em descoordenados movimentos enquanto me esqueço de ti, minha vida. E faz com que me mate alegremente de todo o mundo excepto de mim mesmo cantando à liberdade interior. E a música dita as minhas ordens para ti e para mim, anestesiando o meu ser de toda e qualquer dor de crescer... E faz com que abra as asas e salte pela janela sem mesmo a sequer ter aberto, enquanto voo por algures dentro de mim. Ah!... E é esta música que me faz viver e acreditar no impossível mesmo quando tudo parece voltar para trás no tempo e no espaço e o ontem repete-se sempre no amanhã. E é ela que remete a queda para o esquecimento dando forças e vontade para me erguer e correr em direcção ao sonho, ao sonho de ti minha vida. E é a mesma música que me faz chorar, às vezes de tanto rir, que me põe assim, esquecido de mim e de tudo que pesa na alma... Ah! E sabe tão bem ouvir e sentir, a ti, a mim, ao sonho, a ti música, minha vida.

Sunday, February 19, 2006


Esquina da razão

Encontro-me na esquina da razão
E digo-me adeus.
Empurro-me para a escuridão
De cada fundo do ser
Para me esquecer da emoção
E da vontade de viver
Na realidade
Da monstruosidade de continuar.

Digo-me de mim num fingir
Em que não existo para ninguém
E somente para alguém
Que vive sem existir.

Espero-me na rua do pensamento
Do recalcado sentimento,
Numa avenida qualquer do meu corpo

Onde solitariamente só passo eu.

Monday, February 13, 2006

Encontro marcado

Maria esperava ansiosamente pela sua chegada enquanto olhava a chuva lá fora. Tinha planeado tudo ao pormenor para nada correr mal, cada detalhe, cada pequeno gesto, cada sorriso de potencial alegria. Apenas queria ser feliz, apenas isso e mais nada. Estava cansada de tanto sonho vão, sem sentido nem direcção, e de tantas quedas pelo caminho.
Esperava sentada no restaurante marcado por ele, aquele alguém que ela idealizava, mesmo sem conhecer na verdade, pois de si pouco lhe falava. O lugar era apetecivelmente aconchegante, de ar familiar, de uma riqueza interior surpreendente, pronta a embalar em si corpos solitários embebidos no vazio. Maria vestia alegremente o vestido preto, que passara horas antes cuidadosamente a ferro, e que ele lhe oferecera, juntamente com um doce beijo na face, no último encontro.
O tempo escorria pelas paredes e ele ainda não tinha chegado... parecia estar atrasado. Talvez, pensou Maria, devido ao temporal que fazia lá fora. Porém lá dentro tudo era tão melhor, tudo tão único e ideal para a realização do sonho e do crescimento de novas asas, novos horizontes despromovidos de obstáculos, novos céus sem limites.

- Hoje vou voar bem alto e desta vez não será para cair – murmurou Maria sorrindo para dentro mordendo os lábios.

Os minutos passavam lentamente e nada acontecia, ele teimava em não chegar. Passaram agora já duas horas, que mais pareciam uma eternidade contida no tempo, e absolutamente nada, nem um sinal, nem uma chamada para o telemóvel. Maria percebeu aí, naquele local de fantasia, que afinal tinha caído e bem de alto, aprendeu que para a próxima teria que voar minuciosamente bem mas sozinha.
Levantou-se serenamente e saiu. Ainda hoje ela desconhece a verdadeira pessoa que a enganou, suspeitando que, simplesmente, talvez se tive-se enganado a si própria.

Wednesday, January 25, 2006


Voar sentado

Sentado te espero
Porque em pé iria-me cansar.
Não sei bem o que quero
Mas de pé é que não posso continuar.

Sento-me para voar
E descansar
Em pensamento.
Esquecer-me da dor de fingimento,
Dor de tanto sentir em falsidade,
Se falsidade se pode chamar à realidade.

Vou voar sentado,
De pés no chão.
Dar sede à minha dor,
Matar de fome a minha solidão.

Monday, January 09, 2006


Dói-me a cabeça

Dói-me a cabeça.
Dói-me estranhamente sem doer,
Sem nada em mim que se esqueça
Com tudo para lembrar.

Dói-me sem dor
Sem frio e sem calor.
Apenas me dói por lá estar
Mesmo não sendo esse o seu lugar.

Mas dói-me a cabeça sem beber,
Sem mesmo sequer doer.
Dói-me apenas sem explicação.
Dói-me a cabeça perto do coração.