
Sou contemporâneo de Pessoa na sua plenitude mais subjectiva, uma vez que a minha existência ultrapassa o para lá do linear, onde o que se apresenta são simples interrogações à vida e o seu porquê. Penso nas coisas que são coisas como sendo coisas para além das coisas, como se sendo o que são não me basta-se e tenho a tendência de lhes atribuir simbolismo, conotação pessoal e singular. Uma música não é assim simplesmente uma música, uma junção de acordes, de notas conectadas a vozes e a instrumentos, é, para além disso, um momento, uma lembrança, um lugar, uma pessoa. E se pessoa na Grécia antiga queria dizer máscara, então sou mesmo contemporâneo de Pessoa, embora não saiba quantas faces tenho e quantos papeis desempenho. Sou eu e os meus múltiplos de eu. Sei apenas que me apresento no palco da confusão, mas no entanto, no palco do já claramente visto por muitos antes de mim. Vivo na vontade eterna de querer sentir tudo e de todas as maneiras imaginárias. Talvez assim preencha tanto vazio cá dentro, um vazio que vem do fundo, mas somente só amanhã terei tempo de o preencher cheio de tudo, um tudo que quando chegar a hora será tanto nada para mim. E é este cansaço sem fim que sinto, que não sei de onde vem que me impede de interpretar e valorizar devidamente as coisas, essas mesmas que para mim deixam de ser coisas simples para ser coisas sofridas, sem nada, coisas de mim sem valor para ninguém e somente minhas. Mas sim, como dizes tu grande poeta, apenas depois de amanhã... Sim, ou então depois de depois de amanhã. Aí encontrarei o tudo, o infinito e a resposta para aquilo que agora não sei. Mas porque já sei que não irei ficar satisfeito? Maldita sede de voar mais alto! Ah, sim, sou contemporâneo de Pessoa.
Para um poema - (excerto do poema "Adiamento" de Álvaro de Campos, interpretado pelos Coldfinger)
(...)
Depois de amanhã, sim, depois de amanhã
Levarei amanhã a pensar
Em depois de amanhã
E assim será possível,
Mas hoje não hoje nada, hoje não posso...
(...)